terça-feira, 18 de outubro de 2011

Prece ao amor.

Deu-se o encontro e eu quis duvidar que foi pela urgência de a gente se achar.
Teu olhar veio elíptico, e ao mesmo tempo nítido, me fez hesitar.
Veio feito a luz no escuro de uma noite por raiar, cintilando numa estrela, sorrateira, dizendo ser derradeira, a me encantar.
O que de mal lhe for feito caberá a mim em perfeito dom de repudiar, e afastar tudo o que possa, mesmo vindo do fraco, te atravancar.
Que os meus castos braços possam ser a firmeza que te dará a certeza de sempre vencer, tornando-te mais do que invencível.
Que as minhas forças se unam às tuas, fazendo à nossa volta um escudo brilhante, como os meus olhos quando miram os teus, para que nada de fora nos alcance diante da delicadeza do que for só nosso.
Que seu vasto abraço permaneça quente a me envolver a cada fim de dia que possamos dividir, e diante do nosso sossego, que o mais puro fogo invada o quarto e nos faça queimar em devoção, até que nosso descanso se derrame, placidamente, feito chuva de verão em nosso leito.
Que não deixemos de ter asas, que não deixemos de voar livremente, e que rasguemos os quatro ventos, mas que voemos para o mesmo destino, sendo nosso canto em alegria, trilha sonora dessa vida, e que na vida eu te dê sorte.
Que saudemos a Lua e o Sol, que sejamos nosso impulso, nosso ímpeto, e nossos princípios.
Que não tenhamos medo de perecer, para que a intensidade da entrega se embrenhe em nossos dias.

Que sejamos água e sal, para juntas formarmos um oceano.
Que sejamos duas, para juntas formarmos nós.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Milagreiro.

Um poeta sentado na pedra mais alta de uma praia sem nome, ouve as canções que um búzio lhe sussurra, olha debaixo d’água turva, uma sereia sem dono, num sono profundo, iluminada pelo reflexo do seu anel, coberta por um lençol de sal.

Um pintor sentado num bar de esquina, com os olhos embaçados de lágrima, toma café preto, numa manhã nublada, e vê o rosto de uma mulher pintado com borra no fundo da xícara, e sente cheiro de almíscar pelo ar.

Um pescador de pé, em frente ao seu leme, desembola a rede, e uma onda bate forte na madeira pintada, já descascada de seu barco, molha seus braços morenos, embaça sua vista, e derrama uma concha entreaberta em sua rede, e no avesso da concha há um espelho em azul que reflete cabelos compridos de cores fundidas, em movimento, dançando no vento, iluminados pelo brilho de uma pérola.

Um florista dorme na rede e desperta no meio da noite com o cheiro das flores, coberto de orvalho, e de chuva, e se assusta com a Lua, que brilha e ofusca sua vista, e de olhos fechados ele vê duas mãos num piano tocando uma música que roga a alguém para que o alguém não se vá.