sábado, 18 de dezembro de 2010

Casa III

Sonho sonhos. Sonho.
Desperto pelo som seco do violão desidratado.
Levanto em silêncio, meu humor é ácido de manhã, levantar cedinho é tão nostálgico. Dá uma saudade de dormir. . .
Lamento por não poder tomar café, me falta tempo. Prefiro dormir quinze minutos a mais.
O gato mia, me dá bom dia.
Olho minha irmã dormindo, num sono profundo, suas feições tão leves.
Aperto meus lábios, um contra o outro espalhando o batom vermelho, e, terminando de acordar, encaro a cidade.
Bicicletas. Sol nascendo. Passarinhos. Passos meus, passos nossos.
Passa o dia, os dias passam.
Penso em mudar. Vou mudar.
Chega a noitinha. Eu, bem disposta, bem vestida.
A mesa de bilhar é minha, o copo de cerveja marcado com batom.
Pedem beijos à mesa, nos trilhos, nos bares.
Queria mesmo ir aos mares.
Meu bem me telefona, minha irmã canta no chuveiro.
Meu amor me chama, engole meu coração inteiro.
Esse violão que não chega do conserto. Essa máquina que abre sozinha e queima os filmes. Essa bicicleta sem freio no meio da sala.
Essas malas por fazer, essas caixas por fechar.
Minha vida, sempre por mudar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

before you go.

Eu não esqueço a primeira vez que eu te vi passar por mim.
Eu sabia do que se tratava, mas você era mais bonita do que diziam por aí.
Mais alta, mais viva, e quando me viu, se não me engano, fez charme, e reprimiu os músculos faciais para não exibir o sorriso metálico que, estranhamente, ficava uma gracinha em você.
Você colocava uma das mãos na nuca, por cima do piercing para disfarçar olhares, timidez.
Às vezes penso nos olhares que desviei todos os dias, as chances que disperdicei de dizer o quanto eu achava você bonita, por você ser tão convencida e desenvolver um orgulho bobo em mim.
Você dizia que eu gostava tanto de você que viajava para uma cidade com seu nome.
Pode ser, Marilia.

domingo, 3 de outubro de 2010


Oh I do believe in all the things you say.
What comes is better than what came before...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Maybe not.

Pede-me permissão para esfumar-se no meu azul-céu, quando sou ausência de cores.
E queres o gosto do meu cotidiano, me engolindo inteira, nos dias em que meu paladar confunde o doce com salgado.
Querem-me acesa, quando eu sou só cansaço e tristeza, querem meu fogo ardendo, quando o que me arde é o sal do pranto que a persegue pelas ruas. Meu silêncio me ensurdece.

Voa pra longe, voa de leve, e se esconde.
Se esconde de mim, amor meu.
Te perder de vista é melhor do que te espantar com o vácuo das minhas mãos querendo te alcançar.

Me lembre de todos os passos que traçamos, desritmados com o tempo que reina, sempre.

Se esconde em mim, meu bem, meu mal.
Não me deixe ver seus braços entrelaçados em mim. Me deixe apenas sentir, quero não ter certeza de que é você.

Porque talvez não seja.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Chorei num samba"

Eu só queria te dizer
que eu estou bem sem você,
que a minha vida tem mudado muito,
de endereço, e pra melhor.

Eu queria que você soubesse
que eu me levantei, e venci
E eu te contaria, se pudesse
os meus novos medos, e amores
Meu bem, disseram que eu cresci.

Eu queria que você visse
eu neguei a quem me perguntasse:
- Menina, existe alguém que muito amastes?
- O vento já levou. - eu disse

Mas eu queria te dizer
que meu desgaste é enorme,
ter que desviar meu pensamento de você
todos os dias, na maior parte do tempo

Que eu choro um disco inteiro, quando sozinha,
e a quem vai respirar o mesmo ar que você, eu peço
que te encontre, e te dê um tapa
quem sabe assim eu esqueço
que um dia você foi minha.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Bruises.

Meu eu ansioso, manipulando o par de mãos, uma na outra, outra na uma.
A outra tentando esquentar a uma que, assim que quente, tentava aquecer a outra.
Mativesse o par ocupado com flores arranjadas, buquê. Entretanto, você só gosta delas em árvores, como aquela do outro lado do lago.

Duas portas para um quarto de isolamento. Uma numa maçaneta, e a outra, na outra maçaneta? Não alcançam. Lado esquerdo dá sorte? Meu eu em pré-choque não lembrou da superstição, se houvesse. A uma abriu a porta da direita, e com o barulho, presumiu que uma cadeira impedia a passagem. Arrastada, ela não evitou uma fresta.

Meu eu em choque, com o par de pernas enfraquecido, suplicava em pensamento para você não perceber sua presença antes que fechasse a porta, e fosse respirar na janela. Pensando se desistiria de te visitar, lembrava dos seus olhos fundos de raquitismo voltados para as gotas de chuva na janela.

Meu eu, fortalecido pela sua lembrança, entrou dessa vez pela porta esquerda, esterelizou o par de mãos com álcool, cubriu-os com luvas de látex, e abriu a terceira porta.

Você. Na maca, e na foto acima. Mais atraente em cima.
Em baixo, era surpresa, fragilidade, e cabelos molhados, recém lavados.
Seu olho aberto perguntava ao meu eu. Seu olho fechado clamou ao meu par de mãos para que encontrassem os seus por amor, e não por pena.

A uma do meu eu apertava a tua outra, pois a tua uma não tinha movimento, como o lado direito inteiro.
A outra do meu eu incondicional, afagava seus cabelos pesados, crescidos. E a boca do meu eu, gostaria de estar ao pé do seu ouvido, mas sussurrava um verso simples para desenvolver seu lado direito.

Meu eu artista te pintaria de perfil dos dois lados ao mesmo tempo.

Todos os meus eus, e mais alguns que ainda não sou, poderiam morrer ilesos ao ver que seus olhos ainda brilham ao me ver. Ainda que apenas um, do par.

sábado, 1 de maio de 2010

O bêbado e a garçonete.

Quinto dia seguido que aquele homem da barba cerrada e malfeita tomava café da manhã naquela padaria próxima ao mercado municipal, e me contava sobre suas histórias de amor, desacerto com moça.
Mesas próximas às janelas, rodeadas de bancos para dois, estofados e estampados com um xadrez morto, e em volta do balcão, bancos altos e reluzentes de verniz para apressados e bêbados que vagam pela insônia das ruas à noite.
Ele estava de olhos presos à garçonete, e não comentava nada, como se eu já não soubesse sobre seu interesse pela moça, de aproximadamente 26 anos. Olhos cálidos, braços nus e frescos, combinando com a brisa que afagava os cabelos espessos do homem. Provavelmente era casada, era notável a aliança cor-de-sol que enfeitava grosseiramente suas mãos finas e seus dedos longos, que se estendiam até os pensamentos de meu colega de mesa pintor.
Houve o dia em que o cigarro entre seus dedos dançava trêmulo, levemente disfarçado pela fumaça audaciosa que voava de carona com o vento em direção à janela. Ele me fitou friamente, e disse:
- Sabe, não costumo me importar com esse tipo de coisa, mas acho que a garçonete é minha esposa que não me vê há alguns anos. Se não me engano, ela já me notou. Melhor trocarmos de padaria.

Marina foi pro mar.

Marina, jornalista redatora, 28 anos, moradora de um apartamento no Leblon.
Olhos fundos, verde-claros, meio azulados quando a lua refletia. Rosto quadrado, queixo pequeno, e lábios finos, tão bonitos quando se apertavam para espalhar o batom vermelho!
Um metro e cinquenta e sete de pura crítica social e descrença no amor, por consideráveis decepções.
Virginiana, nascida em Setembro, cumpria sem perceber, todas as características que o alinhamento dos astros lhe proporcionava. Extremamente organizada, sistemática, e quase tão fria quanto as porções de mar que carregava em seus olhos para transbordar em seus momentos de fragilidade.
Numa quarta-feira, Marina estendeu uma esteira de palha sintética sobre a areia de Ipanema, e escrevia sua coluna semanal.
A maré subiu barulhenta, e chegou a acariciar seus pés frios.

Marina lembrou-se do seu futuro vazio e foi pro mar.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sinal fechado.

- Olá, como vai?
- Eu vou indo, e você? Tudo bem?
- Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro e você?
- Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo...Quem sabe?

- Quanto tempo...
- Pois é, quanto tempo!
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.
- Não tem de que, eu também só ando a cem.
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí.
- Pra semana, prometo. Talvez nos vejamos, quem sabe?

- Quanto tempo.
- Pois é, quanto tempo.
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas.
- Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança.
- Por favor, telefone. Eu preciso beber alguma coisa rapidamente.
- Pra semana...
- O sinal...
- Eu procuro você...
- Vai abrir, vai abrir!
- Eu prometo, não esqueço. Não esqueço!
- Por favor, não esqueça.
- Adeus...
- Adeus.